sábado, 5 de fevereiro de 2011

Desejo


Quero muito amar...

Quero olhar nos olhos e ter a certeza que és tu...
Quero sentir o desejo em cada palavra que trocamos...
Quero querer-te tanto que não possa imaginar a minha vida sem ti...


Quero discutir contigo, odiar-te, dizer que nunca mais te quero ver, saber que não devo estar mais contigo, mas no segundo em que te olho, não poder resistir-te...

Quero saber que não és o certo para mim, virar-te as costas, virares-me as costas, e no segundo seguinte, voltarmo-nos e corrermos para os braços um do outro...

Quero desejar-te tanto, em cada segundo, em cada olhar, em cada gesto, e que não nos possamos tocar...Quero sentir o mesmo olhar, o mesmo desejo em troca...e desejar-te ainda mais...

Quero sentir que o mundo não faz sentido contigo, mas que também não faz sentido sem ti...

Quero olhar-te e ver nos teus olhos que me queres mais que tudo o que possas imaginar...que me queres tanto como te quero...Quero saber que embora estejamos a tentar o contrário, embora saibamos que temos que manter a distância, tudo ganhe cor e luz quando estamos juntos...

Quero que apesar de o negarmos, deixemos tudo para estar um com o outro...e quero que quando não o fizermos de imediato, o façamos logo de seguida, pois sabemos que embora errado, eu sou tua e tu és meu...

Quero amar...Amar incessantemente, amar de forma errada, amar e cair no desejo, perder-me em ti, mesmo que isso seja o mais errado a fazer...
Quero tanto amar-te loucamente, desesperadamente, sofrivelmente...


Mas tu não estás, não apareces, não cruzas a minha vida...
Será que não existes, personagem dos meus sonhos, meu eterno amor?

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Adiamento...


Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...

Álvaro de Campos, in "Poemas"