terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Belo conto de Natal


"Vou contar-vos o que se passou comigo há dias:
Do meio da agitação da rotina diária ouvi uma criança perguntar à mãe em tom de ansiedade:
-Mamã, quantos dias faltam para nascer o Jesus?
Foi de raspão pois estávamos na passadeira e o semáforo virou verde.
Atravessei mas fiquei pensativo.
O menino Jesus está para nascer?
Tenho ouvido falar muito dele, será que posso vê-lo nascer?
Decidi parar para pensar.
Mudei os meus planos.
Hoje já não faço mais nada a não ser descobrir onde vai nascer este menino.
Creio que tomei esta decisão por causa da ansiedade da criança. Ela sabia o que queria e se o queria é porque era importante.
Meti-me à estrada mais decidido que nunca, vai ser hoje que vou encontrar este misterioso menino.
Lancei-me pelas ruas que estavam repletas de gente eufórica. Comecei a ficar animado porque vi que também elas andavam atrás dele. Muita gente, muitas sacas, muito ruído, muita cor. Era momento de decidir como procurar. Sentei-me para observar e planear a minha busca. Vi grande número de gente a entrar para um estabelecimento, questionei-me será que é ali? Levantei-me e parti.
Cá fora dizia FNAC, não percebi mas entrei. Era um sem número de gente a circular, a remexer e muitos com cara de indecisos. Vi outros que se sentavam porque o peso das sacas adicionado à hora avançada lhes tornavam as pernas pesadas. Procurei mas não vi menino nenhum. Ouvi imensas vezes frases deste género: “Será que vai gostar?” “Se fosse para ti gostavas?” “Eu acho que ele já tem este.” “É boa mas é muito cara.” Fiquei nervoso e irrequieto. Tudo preocupado para levar um presente a este menino Jesus e eu nem sequer me tinha lembrado de lhe levar nada.
Comecei a procurar como eles, mas nada me saciava. Queria que fosse algo do mais bonito que se pode dar.
Saí da tal FNAC e vi grandes filas de trânsito. Saltou-me logo um pensamento. Se toda esta gente se desloca de automóvel é porque é fora desta zona. Decidi também eu pegar no carro e colocar-me na fila.
Segundo obstáculo.
Reparei que havia filas em todas as direcções. Mas afinal qual era a correcta? Fui pela que tinha mais carros. Por vezes não sabemos para onde ir e decidimos ir para onde vai toda a gente. Se são tantos é porque sabem onde é, pensei.
Demorei muito tempo mas cheguei ao destino.
Grande edifício, monumental. Em relação à minha casa tudo era gigante.
Mas tem toda a lógica, raciocinei, porque o menino Jesus não ia nascer numa coisa simples. Embora não tendo prenda alegrei-me porque estava no rumo certo.
Logo à entrada da porta li num letreiro “Seja bem-vindo ao NorteShopping, onde satisfazemos todos os seus desejos”. Pois, na verdade eu tinha apenas um, ver o menino, por isso estava decididamente no sítio correcto.
Mais barafunda, agitação, gente a correr, uns a sorrir e outros com ar amuado.
Dei uma volta com o coração já apertadinho, pois a qualquer momento podia aparecer aquele que tanto ansiava ver.
Vi muitas lojas, muitos enfeites, luzes, lacinhos, bolinhas, velinhas.
Que maravilha foi observar toda aquela beleza especialmente colocada para receber o menino.
Eis que algo ao fundo se destaca. Uma árvore enorme. Alta, bela, fantástica. Vi no seu topo uma estrela. Comecei a saborear cada centímetro da sua altura até que cheguei ao nível dos meus olhos. Pasmei-me. Uma fila enorme de gente. Eram grupos de pessoas à espera daquela oportunidade que eu também procurava.
O meu coração acelerou porque sabia que era ali. Fiquei triste porque não tinha prenda, mas depois de momentos de hesitação decidi ficar. Depois peço desculpa ao Jesus por não trazer nada mas a minha vontade de o ver é mais forte que qualquer prenda.
Meti-me na fila.
Vi pessoas a reclamar que estava a demorar muito.
Enquanto esperava fui pensando no que havia de dizer aos pais do Jesus.
Nestes momentos temos sempre medo do que vamos dizer. Queremos viver um momento perfeito e nada pode falhar. Enquanto ia pensando ia observando. Não conseguia ver nada lá ao fundo pois a fila era larga e todos estávamos muito juntinhos. Lateralmente passavam pessoas que transbordavam sentimentos variados.
Estava quase a chegar o momento em que ia poder ver face a face aquele que nunca tinha visto. Mais o coração se apertava, mais eu pensava e nada surgia de bonito para dizer.
Completamente exausto da preocupação e ansiedade de ver aquilo que tanta gente queria ver lá chegou a minha vez.
Disseram-me para esperar.
Entregaram-me um cartão com uns números de telefone.
Momento especial e único na minha vida.
Tudo estava desfocado a não ser uma portinha que era por onde eu ia entrar.Disseram-me que podia avançar.
Lá fui.
Feliz, contente e pateticamente alegre.
Estranhei quando vi um letreiro.
Fotos: 10x15 = 10€ 25x50= 25€ Levantar no prazo de 8 dias.
Embora admirado pensei pela parte positiva, bem sempre ficarei com uma recordação.
O ambiente era acolhedor. Naquele pequeno mundo estava o que todos procuravam.
De coração ritmado e respiração suspensa cheguei ao local desejado. Tinha conseguido. Suspirei de alegria.Vi uma grande cadeira e um homem vestido de vermelho com grandes barbas. Por momentos tive um calafrio na espinha.
Será o pai do Jesus? Tinha cara de longa idade e uma voz rouca. Olhou para mim e disse: “Então não acha que tem demasiada idade para querer tirar uma foto com o pai natal?”Outro calafrio, mais frio que o primeiro.
Timidamente e envergonhado perguntei: “Desculpe, não é aqui que está para nascer o menino Jesus? Venho de longe para o poder ver.”
Os seus olhos sorridentes viraram sérios e penetrantes.
Disse-me: “Meu caro jovem mas tu acreditas no Menino Jesus? Quem te disse que ele existia? Não vás na cantiga que isso é apenas uma lenda que se inventou por ai para tornar o Natal mais bonito.”
Engoli em seco três vezes e fiquei estarrecido. O menino Jesus não existia?
Ainda eu pensava quando ele se dirigiu de novo para mim. “Olha, eu preciso de trabalhar. Não te importas de chamar os seguintes?”
Saí daquele espaço como quem sai de um velório. Tudo tinha morrido. Já não havia menino Jesus.
Passei das certezas para as dúvidas: mas então para que é que todo este mundo corre, faz filas, compra, enfeita, se agita? Para tirar uma foto com o Pai Natal?
Saí desse “monumento” com o olhar choroso. A desilusão foi tanta que não me apetecia fazer mais nada.
Tive momentos em que me arrependi de todo aquele esforço.
A caminho de casa, triste e desanimado, apenas uma frase me ocupava o pensamento: “Mamã, quantos dias faltam para nascer o Jesus?”.
Terá a criança que vi no semáforo a mesma ilusão que eu? Mas ela fez a pergunta com os olhos tão brilhantes e convincentes.
Entrei em casa.
Sentei-me e desisti de pensar.
Devido ao cansaço acomodei-me no sofá.
Fechei os olhos e lentamente fui apagando tudo o que naquele dia tinha sido uma grande ilusão: as prendas, as luzes, as velas, os sorrisos, a euforia, a festa. Enquanto pensava desanimado, adormeci.
Entrei no mundo dos sonhos, naquele mundo onde tudo é possível.
Sabeis com o que sonhei?
Com o nascimento de Jesus.
Foi tão belo.
Não tinha nada a ver com o que tinha passado o dia a procurar. Não havia luzes, nem lacinhos, nem sacas, nem ruído. Tudo estava calmo. Vi um curral com algumas pessoas. Coisa simples mas acolhedora. Ouvi um chorar mansinho de um menino e animei-me. Era Ele. Pequenino, rosadinho, fofo. Olhei para uma Senhora que o pegara ao colo e pelo seu olhar profundo e terno vi que era a Mãe. Junto dela um homem maravilhado, encantado, extasiado. Apenas um Pai fica assim quando nasce um filho seu. Alguns animais por perto e um vento fresquinho eram a sua companhia naquele momento tão familiar. Convidaram-me a entrar. Não olharam para as minhas mãos vendo se lhes trazia algo. Olharam-me nos olhos e sorrindo disseram: “Meu querido jovem, Este é Aquele que procuras – o menino Jesus. Queres pegar nEle?” Perdi as palavras e a voz. Mas a sua Mãe colocou-mo nos braços. O tempo parou para nós. Ele dormitando, ia fazendo aquelas caras que nos deixam perplexos porque não sabemos no que lhe podemos ser úteis. Concluí que Ele apenas queria os meus braços para o amparar e encostar ao peito para o aquecer. Fiz isso religiosamente como quem tem nas mãos um tesouro. Só mais tarde percebi o tesouro que nas mãos tive.Depois de longos momentos a observar aquele pequenino, devolvi-O à Mãe, que descobri se chamar Maria, e seu marido José. Não queria mais sair daquele curral, porque em nenhum outro lugar do mundo tinha sentido o calor que dali emanava. Era inocente, limpo, sincero, sossegado.
Dava-me paz.
Acordei.
Rapidamente olhei em meu redor e fiquei triste porque tudo desapareceu.
Depois de alguns momentos de inconstância, lembrei-me de novo da frase daquele menino: “Mamã quantos dias faltam para nascer o menino Jesus?”.
Só aí entendi que a sua ansiedade vinha da vontade que ele tinha de reviver o que eu acabara de experimentar, o nascimento de Jesus.
Depois de longos dias dei comigo a meditar.
Neste mundo, cada vez mais é difícil perceber os sinais.
Apenas consegui sentir o nascimento de Jesus quando fechei os olhos e me distanciei de toda aquela algazarra e correria.
Muita luz, muita gente, muitos carros e enfeites e afinal, foi somente quando me virei para dentro de mim, para aquele mundo onde apenas eu habito, que encontrei Aquele que quer morar comigo – o menino Jesus.
Não consegui sonhar de novo aquele momento, mas também não foi preciso. Uma frase conhecida tilintou nos meus ouvidos: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Depois de muito procurar percebi o que ela me queria dizer naquele Natal.
Deus quis que o seu Filho nascesse, Maria e José sonharam com o nascimento de Jesus e o Deus menino nasceu e fez a sua obra.
Já não sou criança, para ter que regressar ao mundo dos sonhos para viver e sentir o calor e sorriso daquele recém-nascido.
Agora sei que Ele está presente e que nada no Natal tem sentido sem eu O procurar de novo no sítio onde o conheci – dentro de mim.
Uma pergunta ainda me incomoda: quem seria aquele sujeito que estava a tirar fotos por 10€, no grande edifício, com muitas lojas e filas e se chamava Pai Natal?É daquelas perguntas que não me inquietam, porque esse sujeito mentiu-me: disse que o menino Jesus não existia; e eu sei que Ele existe.
Sinto-O agora dentro de mim.
Curiosamente quando relembro esta história, o momento que melhor recordo, foi quando peguei nos meus braços Aquele bebé, parecia ter o mundo nas mãos.
Agora sei que é o meu mundo que está nas mãos dele.
Olha lá, já tiveste oportunidade de viver este sonho?
Não me digas que ainda estás na fila do Shopping…




Padre Renato Poças

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